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Suzano: essas coisas não aconteciam no Brasil

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O que aconteceu na escola em São Paulo no dia 13 de março é chocante e me faz pensar na sociedade americana, onde esse tipo de prática começou, e que tem sido absorvida pelo nosso país. Para não ir longe, ou talvez indo muito longe de mim, que sou progressista, cito a fala do vice-presidente, General Hamilton Mourão, que sobre esse episódio disse que “essas coisas não aconteciam no Brasil”. O próprio vice-presidente espantado diante do fato, reconhecendo que ele não é da nossa cultura, nem da nossa tradição. Fiquei pensando em todo o ciclo de violência que a gente tem visto, na naturalização do individualismo exacerbado e de uma sociedade estruturada a partir de lógicas de mera competição, que deixa de priorizar os valores da solidariedade, colocando de lado as idéias de cooperação em benefício de idéias onde a brutal competição vai de alguma forma gerar uma estrutura social melhor para todos os seres humanos. Isso me preocupa muito, porque não estamos lidando com fenômenos objetivos simplesmente, mas com valores afetivos, que vêm se deteriorando, e com o medo das pessoas. E em resposta ao medo justificam-se ou sublinham-se as violências. Então a ideia de ter uma sociedade segura passa a ser a ideia de que a violência vai ser o instrumento de segurança ou de que as armas são o caminho para que as pessoas se sintam ou estejam seguras. Valores que não são exatamente da tradição da sociedade brasileira, mas que, de alguma forma, vão se enraizando na nossa sociedade de modo extremamente perigoso.

A violência das redes sociais é também um capítulo a parte desse fenômeno do aumento e da modificação das violências gerais e que, de alguma forma, tem se tornado presente na cultura brasileira: a intransigência no debate, o menosprezo à democracia, a falta de visão de sociedade diversa, a perseguição às minorias, ao diferente e aos setores que são vulneráveis. Onde alguém que discorda de alguém diz que o outro devia morrer. Defende olho por olho, dente por dente, enquanto reivindica o amor. Tem-se debatido abertamente na sociedade brasileira a decisão de que se torne legítimo defender uma sociedade não plural, não diversa, onde é cada um por si e onde cada um atira em quem lhe ferir qualquer direito. As novidades negativas de uma sociedade que trabalha em cima do medo, do individualismo, do preconceito e do ataque aos diferentes, vão gerando doenças e deformações que não são da nossa cultura e tradição. O que aconteceu em Suzano não é da tradição brasileira, não é comum, não é normal. Não é mais uma violência brasileira, porque sim, a sociedade brasileira é historicamente violenta e opressiva, ela tem uma história de sangue e de barbaridades, infelizmente. Mas certas modalidades de violência, como a que vimos hoje, são novidade na nossa história. Esse movimento de raiva e de ódio tem esses grandes, terríveis e assustadores momentos, mas tem também os momentos menos chocantes, mas cotidianos, de uma sociedade que vai, passo a passo, se brutalizando. A nossa construção social tem estado extremamente vulnerável a esses momentos que chocam a todos.

Estamos vendo a construção de uma sociedade que escolhe retratar lésbicas, gays e transexuais como sendo pessoas que estão atacando os direitos das outras, ao invés de compreender que sofrem violência específica e tentar construir um cenário de solidariedade, entendimento e justiça, numa equação onde haja espaço para todas e todos, para as diversidades e para quem pretende viver de forma religiosa a sua pessoalidade e também para quem decida que é ateu, por exemplo. Que dê espaço para quem decida viver o seu amor de certa maneira, com certo tipo de família, onde todas sejam respeitadas e não caçadas e perseguidas. Uma sociedade que não ache que vai resolver os problemas colocando uma arma na cintura. Valores consagrados para a humanidade há séculos parecem agora desafiados em um retrocesso sem tamanho. Verifiquem suas consciências. O espalhamento de milhões de armas por milhões de pessoas diferentes, com cabeças diferentes, trará, de fato, mais segurança ou mais tragédias como a de Suzano? Fica a reflexão.

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