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Justiça social para combater a violência

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A situação da violência na cidade é muito grave e extremamente preocupante. Vivemos um verdadeiro colapso social no sistema de segurança não só em Niterói, mas em todo o Estado. Nessas horas, a população se sente muito frágil, insegura e vulnerável, e não é à toa, já que ela está desamparada das ferramentas que podem guardar a sua proteção cotidiana. A sensação é de abandono e revolta. As situações de crime objetivas merecem punições objetivas. É comum a tentativa de carimbar em pessoas que defendem os direitos humanos a pecha de que isso seria “proteger a atividade criminosa”. Mera desonestidade intelectual, pois é claro que crimes contra a sociedade devem ser investigados e punidos. Embora óbvio, chegamos a um ponto de distorção nos debates onde isto precisa ser dito.

Aliás, um dos grandes problemas da nossa atual polícia é justamente que ela esclareça bem menos do que 10% dos homicídios. É muito grave que não haja punição de culpado quando alguém mata alguém. Os crimes precisam ser devidamente esclarecidos e a lei aplicada. Ao mesmo tempo, sou extremamente crítico da ideia falseada, a meu ver até mentirosa, de que o problema da violência será resolvido com a aquisição e distribuição de armas a torto e a direito. Essa premissa não é verdadeira. Isso é exatamente o que nós fazemos desde a década de 50, e não vem dando certo como qualquer um pode constatar. Se fizermos um gráfico dos investimentos em “mais homens e mais armas” que o Brasil vem fazendo ao longo das décadas, veríamos esse gráfico subindo: na década de 80 aumentando muito, na de 90 disparando e agora, mais rápido do que nunca, apontando para cima. Mas, ridiculamente, o gráfico da violência sobe junto ou talvez até mais. Se sobrepostos, estes gráficos coincidiriam. E vamos aumentando o efetivo e vamos comprando mais armas de calibres cada vez mais pesados, sem pensar muito a respeito ou admitir as reais causas.

Quando olho para os países que venceram o problema da violência, vejo que eles encararam as questões de frente, enfrentando as causas. Eles lograram êxito sobretudo porque entenderam o problema distributivo da renda e do acesso à educação e cultura, que todo mundo diz, na hora do discurso bonito, ser a base de tudo. Foi isso que fizeram e foi isso que deu certo. Mas essa tal fala de que “educação é base de tudo” se dissolve no ar na hora dos casos práticos e de repente vira pancada, vira arma, vira revanche. As pessoas bradam em estado de desespero “tem que matar” e se esquecem ingenuamente do fato simples de que o crime conta com um exército de reserva infinito para a repetição cíclica das mesmas tragédias que vemos diariamente. Sem quebrar o ciclo simplesmente não há como vencer o problema. Esses países que venceram a violência não estão lotados de lança granada e tanques nas ruas, nem de pessoas armadas. Estão lotados de oportunidades para a juventude e de perspectiva de vida. Tudo quanto temos negado, enquanto sociedade, às juventudes das comunidades pobres, geração após geração.

Pouca gente quer realmente atacar as causas da violência, porque isso nos tira do lugar da revolta acomodada: é muito difícil imaginar que um país onde 0,5% da população detenha mais de metade da riqueza total não vá reproduzir essa violência distributiva e material nas suas cidades. Sem um projeto de desenvolvimento nacional que considere a emancipação do povo como um todo, sem deixar ninguém para trás, vamos seguir chorando com as tragédias diárias e achando que fascistas de carteirinha são salvadores da pátria.

Se temos comunidades tratadas como guetos, se a relação que as pessoas têm com o Estado é de cassetete e pancada, se há a falência quase absoluta dos equipamentos e serviços públicos, se não há perspectiva para a juventude, geração de emprego e renda e futuro para ninguém, eu penso que você terá um estímulo brutal da violência. Adicione a isto uma sociedade consumista em campanha individualista permanente, onde o que você vale é a marca do tênis que você usa, ou o lugar que você frequenta, retirando valores de solidariedade e identidade coletiva. O barril de pólvora simplesmente explode.

Não existe “DNA de bandido”, mesmo que existam bandidos terríveis. O comportamento humano tem a ver com justiça distributiva, com perspectiva de vida, inserção, paz social e acesso à cultura. Eu penso que, em vez da gente achar que tem que armar todos os funcionários públicos e até o povo, a gente deveria discutir, para além da retórica, acesso aos bens culturais e educacionais, e na outra margem qualificar, cada vez mais, a nossa polícia investigativa, técnica e eficiente. Não pode ser normal a grita por “mais armas” quando todos sabemos que isso não resolve nada.

É muito mais prioridade, a meu ver, que a gente tenha uma polícia cada vez mais senhora da possibilidade de delimitar os culpados para puni-los, do que termos cada vez mais armas e uma polícia que não consegue sequer esclarecer os homicídios. Não me parece sensato nem lógico que a gritaria geral seja por mais armamento quando o dado de que não investigamos adequadamente nem esclarecemos mais de 90% dos homicídios salta na frente dos olhos. A abordagem armamentista chega ao limite do irracional, ignorando as necessidades mais cristalinas, como esta.

No nosso caso penso que a questão do armamento da Guarda Municipal de Niterói tem sido traduzida de forma falseada. Estamos prestes a realizar uma distorção da função principal da guarda, sem obter efeitos práticos que ajudem a resolver o problema mais uma vez. Nem quem defende o armamento da corporação no fundo espera que ela vá fazer o combate em larga e significativa escala ao crime. São os pequenos delitos corriqueiros que ela pode constranger, mas pode também constranger na parceria com a polícia militar e ocupando as praças e logradouros da cidade, fazendo ronda escolar, por exemplo. A questão do armamento para efeitos práticos beira a irrelevância e só vai aumentar a provável dor de cabeça futura que teremos. É mais do mesmo, enquanto mais uma vez nos recusamos a fazer debate sério e profundo sobre as causas das situações pelas quais passamos enquanto povo.
E desta forma, provavelmente, seguiremos sem atacar as causas fundantes da violência. Mais uma vez.

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