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Armamento da guarda pode ser tiro no pé da segurança pública na cidade

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O debate sobre a proposta de armamento da Guarda Municipal de Niterói, que aconteceu na noite de ontem (09), na Câmara, através do mandato do vereador Leonardo Giordano (PCdoB), ofereceu argumentos concretos às mais de 100 pessoas presentes, a esmagadora maioria contrária ao armamento. Diversas entidades estiveram representadas, como o Grupo Diversidade Niterói (GDN), União de Negros pela Igualdade (Unegro), Associação dos Vendedores Ambulantes, União Estadual dos Estudantes (UEE), União Brasileira de Mulheres (UBM), Levante Popular da Juventude, PSOL, PT e PCdoB de Niterói, Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe), Federação das Associações de Moradores de Áreas Carentes (Famacnit), Frente Contra o Armamento e União da Juventude Socialista (UJS), além da Coordenadoria de Defesa dos Direitos Difusos e Enfrentamento à Intolerância Religiosa (Codir) e dos vereadores Sandro Araújo, Paulo Eduardo Gomes e Talíria Petrone.

Conhecido defensor da escolha direta dos cidadãos sobre temas de seu interesse, Giordano é autor de uma Indicação Legislativa que propõe a inclusão de outras 10 perguntas de interesse da população no plebiscito que a Prefeitura realiza no próximo dia 29. “Podemos consultar outros muitos temas e assuntos, como a gratuidade no transporte público, a implementação do orçamento participativo, a regularização do comércio ambulante noturno, ou ainda a substituição das grades das praças por guardas municipais fixos. Se é uma consulta pública sobre o papel da Prefeitura na segurança a tal pesquisa deveria considerar o tema como um todo”.

Para ele, o problema da segurança pública tem sido dramático em todo o estado, mas perguntar numa cédula entre “sim” e “não” sobre um tema delicado como este é colocar diante da população assustada e desamparada um dilema onde o resultado da consulta irá refletir muito mais num grito de socorro diante da grave crise de segurança do que exatamente uma resposta bem refletida sobre a própria pergunta. “Qualquer pessoa sensata sabe que não se faz combate de tiro a quadrilhas organizadas utilizando guardas cuja função e treino é o zelo pelo patrimônio da cidade”.

Para a primeira palestrante da noite, Ana Paula Miranda, coordenadora do Curso de Especialização em Políticas Públicas de Justiça Criminal e Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), o armamento é um detalhe e serve para esconder a falta de uma política pública municipal de segurança. “A Guarda de Niterói não está pronta para esse debate. Desde 2002 não se discute um plano de segurança para Niterói. A pergunta do plebiscito está errada. Que política de segurança nós queremos? Essa é a pergunta que precisa ser feita!”

Ela sugere que outros temas do ponto de vista da segurança sejam trabalhados, como a necessidade de melhor capacitação dos guardas, a revisão da estratégia da ronda escolar, a revisão da forma de atuação com relação aos camelôs e a melhoria na atuação da guarda junto aos pontos turísticos. Professora de guardas municipais, vários contra o armamento, “porque sabem que vão se tornar alvo e que não terão apoio, proteção e que ficarão vulneráveis”, Ana Paula chamou atenção também para a necessidade de garantia dos direitos dos guardas como servidores.

“Ou vamos fazer discussões consistentes ou não é hora de fazer esse gasto.”

O principal instrumento de uma guarda municipal, assim como das polícias, é a informação. Segundo a professora, até hoje a guarda municipal não tem equipamentos eficientes de rádio para todo o seu efetivo. Outra questão levantada por ela durante o debate diz respeito à ouvidoria específica e autônoma da guarda municipal, exigida em estatuto. “Ela já existe? Está funcionando plenamente? Com quem o cidadão irá reclamar? A prefeitura está discutindo a compra do armamento, mas ainda não criou a estrutura necessária e compatível para assegurar isso”, questiona.

Ela reconhece que a cidade investiu, mas ainda não o suficiente. “Os municípios fugiram do debate mais profundo sobre a segurança pública municipal alegando ser um problema do Estado. Novamente estamos antecipando as discussões e pode ser que estejamos trabalhando para aumentar as milícias privadas sem controle e que imperam no Estado do Rio de Janeiro”.

Ana Paula finaliza se posicionando categoricamente contrária ao armamento. “Segurança pública precisa ser um problema social discutido por todos nós, porque do contrário, não haverá garantias. É preciso que tenhamos uma discussão consistente e coerente sobre qual é a política de segurança que o município de Niterói quer. Essa discussão, dessa forma, é cortina de fumaça”.

“Pergunta do plebiscito é uma armadilha e não ajuda a esclarecer”

Para a professora adjunta do Departamento de Segurança Pública da UFF, Luciane Patrício, a pergunta que gera “bola dividida” é uma armadilha e não ajuda a esclarecer. “É uma pergunta resumidora e tira de foco um problema antigo e presente que é a naturalização da guarda municipal atuando como polícia, mas sem poder de polícia. Fizemos vista grossa e negligenciamos essa discussão. As guardas seguem em precariedade jurídica e institucional”.

Luciana garante que, ainda que a demanda pela arma de fogo exista pelo fato dos guardas atuarem há pelo menos 40 anos como policiais, a construção e o reconhecimento de uma autoridade pública não deve residir apenas numa arma de fogo. “Essa é uma escolha, mas poderia ser outra. A prefeitura poderia investir, por exemplo, na formalização do comércio ambulante no período noturno, porque a permanência desses profissionais produz segurança nas vias.”

A pesquisadora considera uma escolha preocupante, já que os estudos apontam para o fato de que quanto mais armas, mais violência. “Tanto a arma, quanto o guarda, passam a ser alvo”. Afirma ainda que quem reside em Icaraí tem uma percepção completamente diferente de segurança de quem reside no Fonseca ou em outros lugares onde há mais violência. “Niterói não é só Icaraí. Segurança pública tem que ser para todos!”

“É como perguntar para a população se ela quer andar de avião depois que ele cai”

A frase é da antropóloga e professora do Departamento de Segurança Pública da UFF e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Jaqueline Muniz, que complementa: “Não se faz consulta com o aumento do medo. O medo é um péssimo conselheiro”. Muniz também considera a discussão simplória. “A pergunta foi mal colocada desde o início”.

Jaqueline estima que o gasto inicial para o armamento da guarda, contando com o plebiscito, fique em torno de R$ 6 milhões para resolver os primeiros meses. E que, com 10% desse valor, ou R$ 600 mil, daria para desenhar um plano municipal de segurança participativo com consulta online e visitas itinerantes a toda a cidade e seus entornos. “Em vez de reduzir o medo e prover segurança, o prefeito está transferindo recursos para a polícia, que é tarefa da Secretaria de Segurança do Estado, e põe no colo da população uma decisão que compete a ele. Não se faz consulta com o aumento do medo”, completou a doutora em Estudos de Segurança Pública.

O correto, segundo Muniz, seria estruturar a guarda municipal, dando a ela capacidade tática, logística e estratégica. “A guarda é uma polícia conceitualmente, mas que na prática a gente diz que não é. Para saber se a arma vai dar superioridade de meios para a ação ou se vai maximizar a insegurança dela própria e ao redor, é preciso definir que tipo de atribuições e competências se quer dar a ela e em que tipo de conflitos ela atua. Mas isso não está sendo discutido”.

Jaqueline finaliza afirmando que a proposta de plebiscito sem debate com a população segue na contramão dos acervos de política de segurança pública no Brasil e de todo o trabalho que tem sido feito, não só no âmbito da universidade, mas também na sociedade civil e pelas próprias associações dos agentes de segurança. “Esses espetáculos repressivos são inconsequentes e irresponsáveis. A guarda hoje já tem armamentos menos letais. Ela já é armada. Temos algo implícito aqui que é a ideia de que autoridade depende de mais repressão e mais repressão tem a ver com a arma. Por que não pensar em modelos alternativos que estão ao alcance das mãos?”

Giordano realizará, em data ainda ser definida, um segundo debate sobre o armamento da guarda com os vendedores ambulantes.

 

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